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Perícia do Caso Flávio contou com diversas técnicas forenses e teve equipe multidisciplinar


Foi apresentado à Justiça o laudo de perícia criminal de Reprodução Simulada dos Fatos sobre a morte do engenheiro Flávio Rodrigues, ocorrido em setembro de 2019, o qual deverá contribuir com a elucidação dos fatos relacionados à noite em que o engenheiro foi morto. Elaborado por uma equipe multidisciplinar de peritos criminais, ele descreve de maneira científica cada evidência deixada na ocasião da morte e reconta, pelo uso de métodos científicos, entre eles a reprodução simulada, a sucessão de eventos que levaram Flávio à morte.

 

O CSI Amazônia fez um resumo dessas informações baseado no que foi apresentado pelos peritos e entrevistou dois membros da equipe técnico-científica para contar os detalhes do trabalho realizado:

 

 

Na noite de 29/09/2019 a Polícia Militar do Amazonas foi acionada para atender a um local de sequestro com uma vítima esfaqueada no Condomínio Passaredo, bairro Ponta Negra. Ao chegar e posteriormente verificar que a situação não necessitava de mais nenhuma intervenção policial de característica ostensiva, repassou a guarda do local para a administração condominial. No dia seguinte, compareceram à casa de nº 179 agentes da Polícia Civil do 19º DIP, os quais fotografaram e filmaram a residência, sem, porém, isolar e manter a preservação do local, o que seria obrigatório, uma vez que a perícia ainda não havia sido acionada para os indispensáveis exames técnico-científicos, conforme manda a lei. Às 13h46 do dia 30/09/2019 o Instituto de Criminalística foi formalmente acionado para realizar exames periciais na residência. Ao iniciar deslocamento, a equipe pericial foi acionada via rede de rádio a comparecer no terreno baldio onde estava o cadáver do engenheiro Flávio Rodrigues, sem imaginar, no entanto, que os dois locais faziam parte da mesma ocorrência. A partir desse momento foram realizados sucessivos exames, inclusive para a busca de vestígios na residência, que não havia sido isolada/preservada, possibilitando que os moradores realizassem a limpeza do local. Para tanto, os Peritos Criminais se utilizaram de técnicas modernas para revelação de vestígios como uso de Luminol e Blue star, técnicas essas também utilizadas em roupas, algumas inclusive encontradas semanas após o crime.

     

 

Número de exames realizados e número de peritos/ setores envolvidos

 

Devido à quantidade de exames nos locais relacionados ao crime, em objetos e pessoas, a perícia coletou um elevado número de vestígios, muitos deles convertidos em evidências, como manchas de sangue, análises de DNA, análise de material em áudio e vídeo, análise dos depoimentos entre outros. Tudo isso foi reunido e materializado no laudo de reprodução simulada liberado recentemente, visando esclarecer alguns pontos relacionados ao incidente. O trabalho envolveu dezenas de Peritos Criminais, além de Médicos Legistas, do Departamento de Polícia Técnico-Científica.

 

O CSI Amazônia conversou com o Perito Criminal Mahatma Porto, responsável pelo laudo de reprodução simulada, e com o Perito Criminal Ilton Soares, que auxiliou coordenando a realização dos exames:

 

 

1- Qual a função da perícia? Por que ela é importante?

 

Ilton Soares: A perícia criminal possui duas funções básicas: materializar o crime e, quando possível, apontar a sua autoria. Isto quer dizer que um crime só passará a existir juridicamente após a sua constatação por um perito oficial. A função de apontar a autoria, um pouco mais complexa, é feita encontrando vestígios e processando-os utilizando a ciência, para determinar quem os produziu. Dessa forma a justiça poderá chegar ao criminoso autor de um delito ou inocentar alguém que não tenha culpa; como dizemos: a prova pericial é a rainha das provas.

 

2- Por que esse último laudo levou tanto tempo para ser liberado?

 

Mahatma Porto: Cada tipo de exame pericial tem sua particularidade: uns são de simples constatação visual e descrição, já outros apresentam um nível maior de complexidade. Po exemplo, um laudo de Reprodução Simulada envolve muitos recursos humanos e laboratoriais para ser concluído. Ele é feito pela análise dos depoimentos de cada parte envolvida, verificando se há possibilidade de as versões terem ocorrido das formas descritas e sugerindo a mais provável. Além disso, a versão sugerida há que ser construída baseando-se nas evidências encontradas em todo o processo pericial, em todos os achados técnicos, ou seja, nos elementos objetivos laboratoriais e de campo descritos pelos peritos nos laudos anteriores. Foram analisados 14 laudos técnicos, que envolveram 9 peritos oficiais e dezenas de exames, experimentos e testes feitos em laboratório, envolvendo os setores de Genética e Biologia Forense, de Balística Forense, de Informática Forense, de Medicina Legal) ou em campo (setor de Vida e Patrimônio). Fora isso, ocorre que o perito não é designado para um só caso por vez. Há muitos outros exames periciais referentes a outros casos do estado. Somando-se a isto, há a decrescente quantidade de peritos na ativa, seja por estarem cedidos a outros órgãos, por aposentadoria ou por licenças diversas. Para se ter ideia, o número de peritos preconizado por diversos órgãos é de 1/5000 habitantes, o que daria para o estado do Amazonas a quantidade de mais de 700 peritos oficiais. Ocorre que na prática nosso número é inferior a 120 profissionais.

 

3- A perícia sofre alguma interferência política?

 

Ilton Soares: Definitivamente não. A característica mais marcante da perícia criminal é a imparcialidade e o total comprometimento com os elementos materiais. Quem fala são as evidências e tudo é feito de forma estritamente metodológica e científica, sem parcialidade, sem ideologias ou interesses políticos. Não importa ao perito quem ou o que faz o investigado. Observe que a ciência não existe para agradar a A ou B, ela existe como único processo conhecido para explicar os fenômenos da natureza e chegar à realidade dos fatos.

 

 

4- Como se chegou às conclusões que existem no laudo?

 

Mahatma Porto: Primeiramente, todos os envolvidos foram ouvidos no local onde ocorreram, procedimento que chamamos de Reprodução Simulada dos Fatos, demonstrando como se deu cada parte do evento à sua vista. Esta parte de coleta de dados é muito importante porque há apenas uma oportunidade de ouvir o depoente e sanar todas as dúvidas a respeito da sua versão. Neste caso, foi preciso ouvir 6 envolvidos, de forma repetida e separada, simulando as suas ações na hora do ocorrido. Foi formada uma equipe de cinco peritos criminais que atuaram observando, anotando, fazendo registros de áudio, vídeo e fotográfico. Por ocasião da reprodução simulada, foram achadas ainda novas evidências materiais no local mediato ao local de encontro do cadáver. Isto desencadeou a realização de novos exames laboratoriais e nova análise dos depoimentos com o fito de considerar a presença destas provas no contexto do evento. Vale ressaltar que o Laudo de Reprodução Simulada não inocenta ou acusa qualquer das partes, como a maioria da imprensa tem pontuado. Isto é papel do júri, quando houver uma sentença. A meta era estimar a versão mais provável do evento, baseando-se nas versões dadas pelos envolvidos, quando obrigatoriamente eram compatíveis com os elementos técnicos descritos nos laudos dos outros colegas (laudos de local de encontro de cadáver, de vistoria de imóvel, de veículo utilizado, de perfis genéticos, de micro vestígios, o cadavérico, os de corpo de delito e de informática forense) e isto foi alcançado. Existem outros elementos que não são da alçada da Polícia Técnica e que contribuirão para o completo esclarecimento do caso.

 

 

5- Quais as consequências da falta de preservação e isolamento do local?

 

Mahatma Porto: Sem isolamento e preservação adequada da cena do crime alguns dos elementos materiais ali dispostos, considerados os mais importantes para a elucidação do fato, podem sofrer modificações, acidentais ou propositais, não se sabe, ou até destruição. Geralmente esta falta de preservação e isolamento é sequela da ausência da autoridade policial e seus agentes no local dos fatos e isso sempre suscitará dúvidas sobre a idoneidade das evidências. Nestes locais onde é necessária a intervenção do estado, ou seja, cenas de crime ou locais a ele relacionados, deve ser vedada a presença das partes envolvidas ou de terceiros, daí a necessidade de isolamento físico do local até que sejam realizados e finalizados os exames periciais. No Código de Processo Penal há a clara determinação que deve haver perícia “sempre que a infração deixar vestígios” (art. 158) e estabelece que o responsável por essa solicitação é a autoridade policial (art.6, inciso VII), devendo a mesma “dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais” (art.6, inciso I). Soma-se a tudo isso, uma questão cultural complexa de desrespeito aos locais de crime pela população.

 

24 de Nov de 2020

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